Unipaz São Paulo

O que te torna incorruptível?

“Passei boa parte da minha adolescência e início da vida adulta tentando encontrar meu propósito de vida.” Estela Maria Marcondes Furuta

Reflexões sobre maternidade, autoconhecimento e propósito de vida

Passei boa parte da minha adolescência e início da vida adulta tentando encontrar meu propósito de vida. “Para que eu existo?”, era a questão. Nessa época, me vinham à cabeça ideias de coisas grandiosas, quase “heróicas”, que poderiam dar sentido para a minha passagem por este planeta:
Fundar uma ONG? Salvar crianças da fome? Criar baladas acessíveis (para que pessoas surdas e com todo tipo de deficiência pudessem entrar e se sentir acolhidas)?

Enfim, essas e muitas outras ideias pipocavam em minha cabeça – de forma bem imatura e idealizada – e me levavam para longe, me fazendo sonhar com as possíveis respostas daquela mesma “tal” pergunta: “Mas por que raios eu existo?”

Até que, em 2012, eu conheci a UNIPAZ e durante a Formação Holística de Base (FHB) fui entrando em contato com tantos conhecimentos novos e lindos para mim, que me ajudaram a despertar para todo um novo campo de reflexões e estudos, favorecendo o início de um processo de amadurecimento e novas compreensões em relação aos questionamentos que tanto me inquietavam. Assim, fui trazendo doses de realidade àqueles sonhos antes tão distantes. Não que eu tenha deixado de sonhar grande, mas passei a reconhecer que, enquanto eu não vivesse com INTEIREZA, no momento presente, servindo o próximo (e olha que tem MUITO “próximo” cruzando nossa jornada) a cada oportunidade e a cada segundo, sonhos grandes e utópicos serviriam apenas como distração para o que era real e, mais ainda, escancaravam um ego inflado em busca de aprovação.

Então, comecei a tratar de conhecer melhor este “ego inflado em busca de aprovação” e a UNIPAZ foi uma importante impulsionadora deste movimento. Certo dia, durante um encontro da FHB, surgiu o seguinte questionamento por parte da facilitadora: “O QUE TE TORNA INCORRUPTÍVEL?”.

Naquele momento, a tal questão central do motivo da minha existência, pela primeira vez, teve que dividir lugar com outra igualmente desafiadora: “O que me torna incorruptível?”… Aliás, naquela época, não sabia nem mesmo o que significava, de fato, ser incorruptível – e, quer saber? Talvez este conceito esteja sendo permanentemente (re)construído para mim. Fato é que, naquele momento, parou de fazer sentido a simples descoberta dos porquês e para quês existo, pois percebi que existir não me bastava… Desejava ardentemente construir uma existência ética, coerente, incorruptível…

Bom, a FHB terminou e deixou muito conhecimento, muitas reflexões, mas também muito mais perguntas do que respostas (e também indicou caminhos para seguir a busca)! Isso é um presente! Continuei minha jornada, guiada por esses questionamentos. Alguns anos depois, recebi a transformadora e única notícia de que estava gestando minha primeira filha. Certo dia, enquanto observava o mar e o vento suave tocava meu rosto (como se fosse o Divino me acariciando, abençoando aquele ventre habitado por um novo ser), tive uma sensação difícil de descrever em palavras, que surgiu subitamente como uma experiência mista de euforia, desespero, alegria e medo!

Naquele momento, entendi o que significava ser responsável por outra vida.

De repente, fui tomada por um senso profundo de autorresponsabilidade. O que eu comia, o que eu pensava, o que eu sentia, tudo podia afetar outra pessoa de fato. Na teoria, eu já sabia que cada ação minha reverbera no todo, que “todos somos um” e tudo o mais… Mas, com humildade e honestidade, admito que foi só naquele momento, sentindo um bebê se mexer dentro da minha barriga que, pela primeira vez, DE FATO, entendi o que significava tudo isso.

Então, me vendo, comecei a revisitar o conceito anterior que tinha sobre autoconhecimento. Minha filha era o maior espelho de mim que eu poderia encontrar. Conhecer minhas emoções, minhas virtudes, meus vícios de comportamento e meu interior deixou de ser apenas uma escolha! Quem já teve um recém-nascido e viveu esta louca-maravilhosa experiência de simbiose entre mãe e bebê, certamente vai entender o que pretendo expressar. Naquele momento em que a Flora chorava e eu já não sabia mais o que fazer para acalmá-la, explicitava-se minha dificuldade em lidar com meu próprio choro. Por qual motivo era tão difícil para mim, tendo certeza que as necessidades básicas dela estavam atendidas, simplesmente “acompanhá-la” naquele chorinho, apenas dizendo a ela que a mamãe estava ali e oferecendo meu colo? Por que eu não podia aguentar o fato de que ela chorava? Ora, esse é só um dos muitos exemplos que evidenciam como a maternidade pode escancarar processos outrora ocultos da mãe, sem que nem mesmo haja uma busca, de fato, por conhecê-los.

Bem… A recém-nascida começou a crescer, junto com a Estela-mãe, que algum tempo depois dava a luz à segunda filha, Sol (que hoje está com oito meses de vida). Quando engravidei da Sol, escrevi a seguinte frase em minha agenda:

“A vida segue ‘sendo’… Vou acolhendo o momento presente com toda a intensidade de viver o ‘ser mãe’ no mesmo ano do meu retorno de Saturno, que por si só já traz muita reflexão, reconstrução de conceitos, de amizades, de vida… E nesta caminhada, o que fica mais forte é que o melhor de mim, até este momento, é poder maternar! De forma REAL, não como em conto de fadas, mas criando o conto “de Flora” (e do novo ser que gesto), dia após dia, aprendendo juntas… Se tantas vezes me pego questionando os motivos da vida, ajudar minhas filhas a terem condições de encontrar os delas, já me parece um belo de um propósito.”

O tempo passou e a jornada permaneceu me mostrando que as respostas para aquelas perguntas que eu buscava vão sendo respondidas constantemente, a cada milésimo de segundo. Isso exige, de mim, atenção, escuta e presença, para que eu possa estar aberta para essas respostas que se apresentam em formato de espiral crescente, como se, a cada momento, eu pudesse adicionar a elas algo inédito e enxergá-las a partir de um novo ponto de vista, ampliando meu olhar (afinal, o que é um ponto de vista se não mais uma possível vista de um mesmo ponto?). Percebi que de nada adianta eu manter grandes propósitos, se meu micro-núcleo familiar não está em harmonia! Notei que meu primeiro e maior propósito é um compromisso com a minha família. De que valeria eu usar meu tempo para me conhecer, se isso não estivesse profundamente pautado no SERVIÇO, em entregar amor incondicional (a todos os seres do meu caminho, à minha família e a mim mesma?). De que adiantaria investir minhas energias em grandes propósitos “externos”, se não consigo parar de reclamar sobre a louça que está na pia, se não me dedico a exercitar a calma, para não exagerar com as minhas filhas quando algo sai diferente do que eu esperava, se não consigo compreender que meu companheiro tem hábitos diferentes que os meus e que não preciso mudá-los? Ora, não se trata de excesso de autocobrança… Sei que erros, tombos e tropeços fazem parte do caminho e são fundamentais na jornada! Então, a história toda não é sobre culpa em relação às possíveis falhas, mas – mais uma vez – uma questão de autorresponsabilidade. Quando substituo a culpa por responsabilidade, saio do lugar passivo e vitimizado, para um lugar de ação, onde é possível agir com consciência.

maternidade tem me trazido uma constante lição sobre estar no momento presente, sobre escuta empática, sobre tantos conceitos que me instigavam antes, me atraiam, me encantavam, mas pareciam ainda um pouco distantes na prática.

Agora, sinto que o que me torna incorruptível é, acima de tudo, justamente o DESEJO de ser a cada momento incorruptível, de ser íntegra, de educar minhas filhas e ajudá-las a seguir a jornada delas! Isso me faz desejar e ver sentido em me aprimorar a cada dia e seguir por esse caminho… E maternar, para mim, é pura alquimia da bênção, é viver tendo a oportunidade de muitas vezes abrir mão do que eu quero ou do que eu gosto por um ser que está ali na minha frente e nem sempre pode esperar. É aceitar minhas imperfeições e falhas, mas recarregando o “combustível” de fé e energia para me reconstruir diariamente. É ir do caos ao riso em dois segundos, achar que não vou dar conta, mas, no final do dia, ver que deu tudo certo… por um outro ser. É perceber que não abri uma balada acessível, mas que compartilhando meus desafios com outras mães, posso ajudar e ser ajudada…e que quando uma só pessoa já se sentiu melhor por me ouvir, já valeu o infinito…

Para finalizar, parafraseio Carlos Rodrigues Brandão, dizendo que estou convencida de que, mesmo que Deus exista (e Ele existe), o que me salva é o outro, são os outros. E eles me salvam inclusive de mim mesma.

Estela Maria Marcondes Furuta é terapeuta ocupacional e mãe, reside em Ubatuba com o marido e duas filhas. Trabalha com desenvolvimento infantil e pessoas com deficiência nas redes privada e pública de saúde e compartilha sua jornada, unindo sua atuação profissional com a maternidade, através das redes sociais, buscando criar uma rede de apoio entre famílias.

Terapeuta ocupacional (USP 2010), Formação complementar em acompanhamento terapêutico (contA.T.o, 2012), Pós-graduação em Transdisciplinaridade, Saúde, Educação e Liderança (UNIPAZ São Paulo), Pós-graduação em Saúde Coletiva (USP 2013), Certificação internacional em Integração Sensorial (University of Southern California, 2018).

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