Unipaz São Paulo

Quando a Paz em Mim Silenciou: Um Relato de Burnout

Atuo há anos em uma instituição comprometida com o cultivo da cultura de paz. Acredito nesse caminho com todo o meu coração. A paz como prática, como valor, como escolha cotidiana. E, talvez justamente por isso, foi tão difícil reconhecer que algo em mim estava adoecendo.

O que vivi foi um processo silencioso, gradual — e real. A lista de tarefas crescia sem fim. A cada nova atividade entregue, surgiam outras, e depois mais outras. Não havia pausa. Apenas a sensação de que eu precisava dar conta de tudo, o tempo todo.

Comecei a perder o sono. Não era insônia comum. Era uma mente em estado de alerta, revisando compromissos, antecipando prazos, preocupada em não falhar. E no dia seguinte, mesmo exausta, eu me cobrava ainda mais. Cortava pausas, deixava de me alimentar direito, evitava até os momentos de autocuidado — tudo para “ganhar tempo” e conseguir concluir o que precisava ser feito.

E assim se instalou o ciclo: excesso de trabalho → perda de sono → sem energia para cuidar do corpo → perda de apetite → mais horas de esforço → sintomas físicos → e, por fim, o colapso. Tonturas. Cansaço extremo. Sensação de esvaziamento. E, o mais difícil: uma mente tão cansada que já não conseguia mais se organizar. Como se uma parte de mim tivesse se desligado.

Hoje compreendo, com o apoio da neurociência, que esse estado tem nome: burnout — uma síndrome de esgotamento que afeta profundamente o cérebro, o corpo e as emoções.

Pesquisas mostram que, sob estresse crônico, o cérebro entra em um padrão de hiperatividade. A amígdala cerebral, responsável pelas respostas de medo e urgência, fica superativada, mantendo o corpo em alerta constante. O córtex pré-frontal, que regula o pensamento crítico, as decisões e a empatia, começa a perder funcionalidade. O eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA) se desregula, afetando o sono, o apetite, o humor e até o sistema imunológico.

É um desequilíbrio real, mensurável e profundo. E não é fraqueza. É um sinal de que os limites foram ultrapassados por tempo demais.

E é inevitável que surja a pergunta:
“Como alguém que trabalha pela paz pode chegar a esse ponto?”

Talvez porque, ao se dedicar tanto a um ideal, tenha se esquecido de que a paz, para ser autêntica, precisa nascer dentro. A cultura de paz não é apenas uma proposta para o mundo — é também um chamado ao cuidado consigo. E o autocuidado não é egoísmo. É responsabilidade.

Partilhar essa experiência não é simples. Mas acredito que o silêncio sobre o sofrimento apenas perpetua o adoecimento. Falar sobre burnout, especialmente em ambientes dedicados ao cuidado, é um ato de coerência. Para que possamos construir coletivamente espaços mais humanos, mais sustentáveis, mais alinhados com aquilo que acreditamos e cultivamos.

Porque ninguém está imune.
E porque a paz — verdadeira, profunda — precisa incluir também quem a promove.

Cuidar de Quem Cuida: Dicas de Prevenção ao Burnout

  • Reconheça seus limites. Ter consciência de que você não precisa dar conta de tudo é um ato de saúde.
  • Inclua pausas reais no seu dia. Momentos de descanso e silêncio restauram o sistema nervoso.
  • Alimente-se com atenção e afeto. O corpo precisa de energia para lidar com a complexidade da vida.
  • Priorize o sono. Dormir bem é tão importante quanto qualquer tarefa na agenda.
  • Mova o corpo. Caminhadas, dança, yoga, alongamentos — o que for possível, mas com regularidade.
  • Diga não quando for necessário. O cuidado com o outro começa pelo cuidado com você.
  • Busque apoio profissional. Terapia, grupos de escuta ou acompanhamento médico podem ser fundamentais.
  • Cultive relações seguras. Estar em rede, sentir-se acolhido e pertencente é um grande fator de proteção.
  • Não espere o colapso para mudar. Pequenas mudanças hoje podem evitar rupturas amanhã.

Nelma da Silva é Facilitadora, Educadora, Pedagoga e Administradora de Empresas. Coach em Processos de Transformação Profissional, com MBA em Dinâmica Organizacional, Gestão e Ambiente de Trabalho. Possui pós-graduação em Transdisciplinaridade e Desenvolvimento Integral do Ser Humano e em Psicologia Transpessoal. Tem ampla experiência em organizações privadas, com atuação focada na implantação de projetos e no desenvolvimento de equipes e lideranças.
É cofundadora, presidente e coordenadora pedagógica da Unipaz São Paulo, além de vice-reitora da Universidade Internacional da Paz.
Facilitadora dos programas Eneagrama, Autogestão, Educação Ambiental e A Arte de Viver a Vida, de Pierre Weil.